Crónica de Alexandre Honrado
Balouçar até ao último enjoo
Um grande balouço. Um balouço enorme. Sobe ao ponto mais alto que o impulso lhe permite e desce tão profundamente que chega a parecer um ponto irrecuperável, desses dos quais não se retorna facilmente. É o balouço da vida tal como a entendo agora.
Nada tem limite, e a vida de cada um é como o Cosmos, aparentemente sem princípio nem fim, com tremendos buracos negros e destinos inusitados. E sendo Cosmos é a poeira ínfima de cada um. Só que no Cosmos os astros cumprem rotas definidas, têm a atração que lhes impede a desorientação. Só quando colidem fazem como os seres humanos: estilhaçam-se e polvilham de falta de sentimento e falta de razão o espaço que os recebe involuntariamente. São poeiras frias, perdidas, equívocas, sem razão.
Faço zapping pelas sombras e nenhuma é melhor do que a outra. Temo que a luz não regresse a tempo de mostrar-nos o caminho. Oiço gritos, uns que querem vacinas, outros que as recusam, uns que fazem de festas campos de batalha e de morte, outros que roubam os que têm muito pouco e que convivem com que têm a mais e não partilham.
Enjoo no balouço. Sobe tão alto e todavia desce tão baixo.
Recebi há um par de horas, via direção do Observatório Internacional dos Direitos Humanos, mais um punhado de informações, entre elas um filme em que um jovem é torturado com choques elétricos.
Tenho sido testemunha de grandes barbaridades e as minhas lágrimas nunca secam.
Sinto-me impotente, porque a minha ação é de uma pequenez confrangedora.
Aqueles que são símbolo parecem-me esmaecidos e com grande desgaste. Francisco, o Papa, que olha incrédulo os seus mais próximos, Guterres, o pacificador que está em guerra com a vida que o finta. Do Dalai Lama, que há muito não me fazia chegar tema de registo, recebo a informação de que se encontrará com jovens brasileiros, mas virtualmente, pois tudo hoje é impalpável e virtual como um vírus assassino…
Sobre a mesa somam-se as derrotas.
Morrem capacetes azuis que andavam em missão de paz, morrem os mais pobres do mundo, como os sudaneses do sul que todas as desgraças atraem, morre a moral, a dignidade, o afeto, o altruísmo. Morrem os portugueses que parecem atraídos pelo passado da não glória.
Estou a escrever num ambiente privilegiado. Um espaço aquecido, uma música suave, pequenas luzes que ao fundo me atraem como se eu fosse um inseto e elas a magia da continuidade.
Estou às escuras.
Estou aqui.
Olho o balouço da vida, incrédulo.
Não sei se escreva mais alguma coisa. Não sei se escreva. Não sei mesmo.
Alexandre Honrado
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